"As armas e o povo" real. colectiva / documentário

terça 10 abril às 22h30
Na Rádio a canção do Zeca Afonso: Grândola, vila morena ... Terra da fraternidade... 0 povo é quem mais ordena...
Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas.
De súbito, aliás, a Rádio abre-se em notícias. 0 Marcelo está preso no Quartel do Carmo. A polícia e a Guarda Republicana renderam-se. 0 Tomás está cercado noutro quartel qualquer. E, pela primeira vez, aparece o nome do General Spínola. Novo comunicado das Forças Armadas. 0 Marcelo ter-se-á rendido ao ex-governador da Guiné. (Lembro-me do Salazar: «o poder não pode cair na rua»).
Abro a janela e apetece-me berrar: acabou-se! acabou-se finalmente este tenebroso e ridículo regime de sinistros Conselheiros Acácios de fumo que nos sufocou durante anos e anos de mordaças. Acabou-se. Vai recomeçar tudo.

A Maria Keil telefonou. 0 Chico está doente e sozinho em casa. Chora. (Nesta revolução as lágrimas são as nossas balas. Mas eu vi, eu vi, eu vi! (...)

Antes de morrer, a televisão mostrou-me um dos mais belos momentos humanos da História deste povo, onde os militares fazem revoluções para lhes restituir a liberdade: a saída dos prisioneiros políticos de Caxias.
Espectáculo de viril doçura cívica em que os presos... alguns torturados durante dias e noites sem fim.... não pronunciaram uma palavra de ódio ou de paixões de vingança. E o telefone toca, toca, toca... Juntámos as vozes na mesma alegria. (...) Saio de casa. E uma rapariga que não conheço, que nunca vi na vida, agarra-se a mim aos beijos.Revolução.

José Gomes Ferreira

"Saíram para as ruas de câmaras nas mãos logo no dia 25 de Abril. Ocuparam o instituto de cinema e a censura, filmaram ocupações, fábricas em auto-gestão, aldeias em Trás-os-Montes. Havia todo um país a mostrar." 

Tinham pedido a José Nascimento que, aproveitando o facto de ir frequentemente montar filmes nas instalações da televisão, tentasse perceber como ia ser o golpe que se sabia que estava a ser preparado. O cineasta não soube tudo mas conseguiu algumas informações. "Sabíamos que as rádios iam passar o Grândola Vila Morena e que isso seria o sinal de arranque". Na noite de 24 de Abril saiu para a rua à procura de sinais. Lisboa estava calma. "Andámos até às duas da manhã, mas só tarde começámos a ver algumas movimentações, sobretudo junto ao Rádio Clube Português."


Decidiram que o melhor seria dormirem algumas horas, e no dia 25 levantaram-se cedo, passaram pela produtora Telecine, conseguiram uma câmara de 16 milímetros e foram para o Largo do Carmo filmar a revolução. No Carmo a confusão era já muita. Outro cineasta e produtor, António Cunha Telles, tinha ouvido as notícias na rádio e fora imediatamente para o local. "Por acaso tinha uma câmara de filmar e fui com ela debaixo do braço. Fiquei à espera que acontecessem coisas importantes."O ambiente era de tensão. Marcelo Caetano dentro do quartel, Salgueiro Maia, à frente das tropas revolucionárias, no exterior. "O Salgueiro Maia disse que às três horas abria caminho a fogo", conta Cunha Telles. "Eu estava dentro de um cafezinho, saí e de um lado estava a GNR e do outro as tropas do Salgueiro Maia. Quando quis voltar para dentro a porta já estava fechada." Ficou à espera, guardando a única bobine de filme que tinha para um momento crucial. E o momento aconteceu. "Às três horas o Salgueiro Maia resolve atacar e, ao contrário do que se diz, houve mesmo fogo. Filmei as bazucas que foram disparadas contra a porta do quartel do Carmo, imagens que foram depois usadas em pré-genérico do 'As Armas e o Povo'"."(…)Estava sempre tudo a acontecer, a toda a hora e em todo o lado, e era muito complicado conseguirmos acompanhar", recorda José Nascimento. "Havia sempre notícias cruzadas. E isso para quem quer filmar acontecimentos é o pior que pode acontecer. Não há maneira de saber o que é mais importante, ou se chegamos lá e já acabou. Havia essa fragilidade de não se saber se quando chegássemos ao acontecimento ainda haveria acontecimento."
In Ipsilon 9/10/2011



Testemunho das emoções vividas entre o 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974. Um documento captado por diversos cineastas, incluindo Glauber Rocha, que desembarcara há pouco em Portugal, para assistir aos primeiros dias da Revolução.
Glauber faz o que mais gosta: deixa o povo falar e através dele traça um retrato do fato histórico. 
Mostra de um pais lobotomizado por mais de 40 anos de fascismo.

O que ressalta neste filme é a infantilidade de um povo, com uma taxa de alfabetizo aterradora, que se vê perante uma revolução que acontece e que até nem se tem de lutar. Por mais paradoxal que possa parecer a  revolução é  fruto do conformismo,  que se ergue sobre um regime que cai de podre, dois anos depois da morte de Salazar.

As Armas e o Povo abrange o período entre o 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974, e foi realizado por uma vintena de realizadores profissionais. 

Em pormenor, a efusão humana que brindou a jovem Revolução dos Cravos - escutada em regozijo, aspirações, carências, comentários sobre a guerra colonial, melhoria das condições de vida, o futuro em liberdade.

É um dos mais bem humorados filmes sobre o 25 de Abril, com o inigualável Glauber Rocha, entrevistador e personagem, neste registo único sobre o que se viveu nas ruas de Lisboa logo a seguir ao 25 de Abril de 1974.